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Lucas Magelle

A vida contada por Noah Baumbach

Uma análise de três filmes do diretor que revisita o cotidiano com sensibilidade

Farnces Ha, Os Meyerowitz e Histórias de um Casamento, filmes de Noah Baumbach (Focus Features/Netflix/Netflix)

Me encanta a maneira como o cinema conta suas histórias, seja por um momento específico que se assemelhe com nosso dia a dia, e por essa condição nos empolgue. Ou por momentos que são construídos até a chegada do clímax do filme, que nos prende o ar, e faz com que nos cause ansiedade para ver a conclusão. E eu gosto de como o cineasta Noah Baumbach faz o cinema do jeito dele. Muitos chamam seu estilo de conservador, pelos diálogos longos sem cortes que lembram cenas de teatro, além de como tudo é orquestrado para um fechamento da cena em si. Nada é por acaso nos filmes de Noah, principalmente, os diálogos, e é interessante como ele conduz as cenas para passar o que ele realmente deseja.

Noah, trabalha com temas comuns em seus filmes: relacionamentos, família, declínios, coisas que acontecem com qualquer um. E, por isso, eu os acho tão interessantes, pois caminham com nossas experiências humanas, resgatando memórias afetivas que quando passadas do filme para nós, causam diversas sensações. Nesse texto, analisarei três filmes premiados do diretor: Frances Ha, Os Meyerowitz e Histórias de Um Casamento, para mostrar como o cineasta traz à tona temas comuns e transforma em algo complexo, mas gostoso de ver e de sentir.


Frances Ha


Frances Ha é um filme para pessoas perdidas. A história trata sobre a vida de Frances, uma jovem de Sacramento para tentar a vida em Nova York. No começo do filme, Frances divide seu apartamento com sua melhor amiga, Sophie, e a partir daí, Frances se vê em problemas comuns para resolver, mas que se tumultuam cada vez mais, dando o tom de graça ao filme. Frances descobre que a companhia de dança em que ela trabalha não precisa dela para trabalhar no show de Natal, o que significa que Frances não pode mais pagar pelo apartamento. Ela também não conta com a ajuda de Sophie desde o ínicio do filme, pois ela está mais próxima de seu namorado, o que gera bastantes brigas entre as duas. Mesmo o telespectador sabendo como a conexão das duas é forte, cada uma segue por um caminho e as duas têm que aprender a conviver sem ter uma à outra.


Frances Ha é sobre como lidar com a vida. Nem sempre nossos planos vão dar certo, nem sempre vão acontecer as coisas que esperamos que aconteçam, mas ainda assim, nos levantamos, sobrevivemos e apreciamos a vida em seus pequenos momentos. Quando falo que Frances Ha é um filme sobre pessoas perdidas é porque Frances muitas vezes não sabe como lidar com tudo o que está acontecendo. Mesmo com 27 anos e formada na faculdade, ela não tem uma vida inteiramente planejada. Ela nem ao menos tem o seu próprio teto. Frances, no decorrer do filme, tenta se virar por conta própria e tentar ser a pessoa que realmente tanto almeja. Às vezes, até retornando para sua antiga faculdade na tentativa de voltar ao passado no qual ela se sentia mais feliz e não tinha que lidar com tantas pressões. A busca de Frances para lidar com tudo isso e se descobrir, é, de certa forma, heroica. Ela vive uma bagunça muito íntima de sentimentos, o que a torna um ser humano autêntico e livre das amarras sociais. Em um rumo totalmente inimaginável, Frances viaja sozinha para Paris, ou então ela se vê aos trinta anos sem saber ao certo onde vai dormir.


O que é mais forte nesse filme, é sobre como a relação de Frances com Sophie se comporta e o carinho que as duas têm uma pela outra. Quando eu falo que Noah sabe trabalhar os pequenos momentos, eu falo, por exemplo, dessa relação de Sophie e Frances. Em um diálogo do filme, no qual ela está em um jantar com alguns amigos, Sophie diz que está à procura de um momento especial. Ela estava solteira e se refere aquele momento quando você está com alguém, e você o ama e sabe disso, e a pessoa te ama e você também sabe disso. Mas vocês estão em uma festa, conversando com outras pessoas, e você está rindo e feliz, e olha para o outro lado da sala e cruza com o olhar do outro, mas não porque você é possessivo, e sim, porque aquela é a pessoa na sua vida, formando um mundo secreto que existe ali, em público, sem ser notado e que ninguém mais sabe. Um sentimento tão incrível como esse foi passado do filme para o telespectador, de forma que essa sensação é sentida, e por isso, fica mais forte esse sentimento que depois retorna em forma de ação não verbalizada. Quando Frances olha para Sophie em uma festa e sorri, o mundo secreto é estabelecido ali, e é isso que Noah tenta passar nesse filme. Esse pequeno sentimento traduzido em falas e em ações. E quando você termina esse filme, você entende o que Frances quis dizer, então o telespectador procura algo parecido, seja em memórias, ou em querer viver algo parecido. É sensacional como Noah traduziu o amor e o carinho em poucas palavras.


Os Meyerowitz: família não se escolhe


No filme da Netflix lançado em 2017, Harold Meyerowitz é um escultor aposentado, cujo ego fica mais inflado do que o normal ao saber de uma futura exposição que celebrará seu trabalho. Durante os preparativos, ele adoece, obrigando seus filhos, Danny, Jean e Matthew a se unir para cuidar dele, o que faz com que eles revivam traumas familiares do passado. Eu gosto desse filme, pois a declamação de sentimentos pelos personagens é muito expositiva. Eles chegam a proclamar seus sentimentos em microfone já nas cenas finais, contando sobre como os traumas afetaram o destino de suas vidas, mas isso não importa, porque ainda assim a família estava unida e isso era o mais importante. Então tudo é descartado, pois toda a história que dava peso pros filhos era um devaneio do pai. Mas o mais interessante desse filme é a quebra desse ciclo, quando há um pai cujo contato com o filho é meramente virtual, os filhos vivem por conta do pai e o pai menospreza seus filhos. No final do filme tem uma quebra disso quando Danny decide viajar com seu irmão e deixa seu pai sob cuidados de enfermeiros, pois ele já não estava mais disposto a sacrificar sua vida para viver por conta do pai. A relação no final do filme se harmoniza, no qual os filhos dão apenas o necessário para seu pai, e não o que o pai exige deles.


Noah trabalha o tema família no filme, mostra o quão complexo é esse tema e o quanto ele personifica em nossas vidas. Afinal, somos cópias de nossos pais? E às vezes, isso pode nos doer muito, pois não queremos ser como nossos pais, mas não notamos o quanto exigimos subconscientemente de sermos parecidos. Existe um carinho entre Danny, Jean e Matthew sobre seu pai, e seu pai não, de forma que não era uma relação tão recíproca. E é interessante como Noah trabalha esse tema com tanta sensibilidade, não colocando um culpado ou um vilão na história, mas colocando em equilíbrio harmônico entre os quatros, com Danny parando de sacrificar sua vida pelo seu pai, e Matthew passando a dividir esse peso com Danny e Jean.


Histórias de um casamento


Enquanto Frances Ha trabalha um pouco sobre como surge o sentimento de amar alguém, Histórias De Um Casamento fala sobre o declínio e o desgaste de amar alguém. Na história, é contado o processo de divórcio de Nicole e Charlie. Nicole se sente presa no relacionamento, pois não consegue buscar novos ares. Seu marido sempre impede de realizar seus projetos ou de fazer as coisas do seu jeito. Com esses traços tóxicos, é narrado como é o processo da guarda do filho deles, Henry, até a explosão que seria o clímax do filme: a briga dos dois. O mais forte desse filme, é que por mais que os dois passem por um processo desgastante para conseguir ficar com seu filho, no final ainda mantém um carinho entre eles, tentando ter uma relação amigável após o término.


Mostrando que muitas vezes você não precisa fingir que a pessoa não existiu, mas entender que ela fez parte da sua vida, e não deu certo como vocês planejaram. Nós seguimos a vida conforme o ritmo dela, estamos mudando a todo o momento, e por isso, nossos planos vivem mudando de cabeça pra baixo. Essa é uma característica pertinente dos filmes do Noah, a de se adaptar a vida como ela é, com seus fracassos, sucessos e imprevistos. E por isso, os filmes de Noah pegam tanto para quem assiste, pois é fácil demais se ver nas histórias. Todos nós já fracassamos e tivemos que nos adaptar ao que não está sob nosso controle, ficamos perdidos como Frances, nos soltamos como a família Meyerowitz e nos adaptamos como Nicole e Charlie, e continuamos a viver e a apreciar esses pequenos momentos que nos fazem sentirmos vivos, desde os pequenos olhares com pessoas que gostamos, seja se colocando como prioridade, mas entendendo que devemos ter carinho por aqueles que cuidaram da gente, seja buscando novos ares e saindo da rotina, mas sem esquecer o passado.


E por isso, recomendo que assistam os filmes de Noah, tenho certeza que vocês se pegarão tendo o mesmo sentimento narrado nos filmes dele.

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